FANTOX



O telefone não toca
A campainha do apartamento 1406 nunca toca
Quando os sinos da Basílica do Carmo
batem seis ou sete badaladas
consigo reunir forças e levantar-me
como um Frankenstein
do meu leito de morte

Caminho então, sem pressa
alguns passos em direção ao banheiro
desviando-me do armário
Evitando olhar-me no espelho
pendurado de propósito com elásticos do escritório
no registro do chuveiro

Lá fora chove
Escovo todos os dias
dois dentes que restaram
para que continuem brancos
até a Eternidade
Mijo um jacto escasso
sem ver a  luz que sai do meu pinto
Lavo as mãos
e retorno ao único cômodo contíguo...

Jogo a toalha
faço a cama
tiro os chinelos
como um biscoito Tostines
Releio alguns livros da Clarice Lispector
A Paixão Segundo GH
Folheio jornais antigos
e tento brincar sozinho
com meu velho Matchbox 
mas não consigo...

Não posso mais assistir Super Cine
Nem ouvir Roberto Carlos cantando
"Esta é a última canção que eu faço pra você
já cansei de viver iludido, só pensando em você"
que eu tremo, soluço e choro

Desligo então o rádio e pego os meus óculos, o celular, algumas moedas...

E retorno ao Café Regina

Dentro dos elevadores há enormes espelhos
nas paredes dos fundos
onde as pessoas simpáticas se observam
arrumam o cabelo, a gola da camisa
mas evitam me olhar

Nada perguntam...


"Quem sou agora?"
Não sei quem são, respondo...
mas também não lhes devolvo a pergunta, a indignação
oculta na superfície de nitrato de prata e feldspato.

Temo que sejam apenas mais alguns fantoches,
descendo e subindo
pelas paredes do condomínio.

Estranha essa relação...

Devo continuar? Por quê?


Por favor, alguém responda.


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