Pele








Nunca te Chifrei


Quase me rasguei...
Quase rasguei meus olhos
na cerca de arame farpado
para te apanhar uma flor...

Quase me engasguei
Quase te enganei
Passando para o outro lado...
Mas não fui tolo

A cerca que me separava 
do touro no pasto
ficava do outro lado...
E todo ramalhete estava deste...

De que lado você estava?





Manhã Rosa


Na manhã chuvosa
Quando fui embora
Você me disse tanta besteira...

Na manhã rosa
O vento soprava
No contratempo do latido dos cães
Atrás das bananeiras
Acalmando meus sentimentos





Ela Me Usou


Como foi duro, mãe
Sobreviver
Neste mundo 
Cheio de baratas
E bocas de lobo trancadas...
Como foi difícil crescer
Sem a luz do seu olhar
Sem a doçura do seu sorriso





Reciclar Sentimentos


Melhor ser porco e feliz
Do que um poodle triste
...
Não ser um pitbull
E te ferir (se preferir)
...
Ser tosco
E digerir
Te gerar, gerir
E dirigir...

Que refinado 
E vomitar...

Melhor ser pouco
Que muito
Abilolado.




Desistência

A síndrome da minha loucura
é que eu havia estabelecido
um código paralelo de significados
para a simbologia de linhas, formas, cores
e volumes da realidade aparente...
Transformando tudo
num conjunto híbrido e particular
de preconceitos...
Que não levava a nada.





Sem Sentido


Qual o sentido?
O que foi sentido?
Sentido...
Por trás do rosto selvagem
A alma ficou em brasa...
E num balé lesmático
Os lábios secos quase se tocaram...
Qual o sentido?



Teleféricos de Marte

Quando você completar 500 anos, talvez
passearemos
de mãos dadas
pelos trilhos 

Entre os gerânios
e as tumbas apagadas
em algum cemitério de Paris 
ou nos Teleféricos de Marte
Quem sabe (?)

Como fizeram nossos filhos...

Iremos ao cinema comer pipoca
Você de jeans
vai rir até chorar...

E eu gostarei do filme

E à noite
não haverá vento nem tempo
Somente paz

E então eu lhe cantarei
uma singela canção de ninar
E antes de adormecer
com o olhar perdido no infinito
contando estrelas
você dirá “que filme estranho”
E eu lhe direi “foi bonito”...

Nos beijaremos
e dormiremos abraçados
mergulhados num mar de rosas
com anjos em silêncio
tirando pedras
dos nossos AllStar

Quando você completar 500 anos, talvez
Eu assoprarei suas velas
E você as minhas
E estaremos fritos

Quando você estiver murcha
E eu evaporado
Quando você tiver se transformado
de fato, de fada em bruxa
Eu ainda estarei ao seu lado

Serei finalmente seu Druida Azul
tomando Coca-Cola de canudinho
E então sonharemos acordados
tudo ao contrário

Haverá uma outra forma de existir
que não esta..

Outra possibilidade
que não seja apenas consumir (se)
expor (se)
Enquanto indivíduos, unidades egoicas
num mercado livre de falsos valores

Uma outra forma de vida
A vida de fato
Vida que é vida
Outro padrão, não este...

Mas por ora
estou apenas derrapando na Terra
te procurando...





Rainha da Inglaterra


Quantas vezes caí
Tantas vezes levantei-me...

Quantas vezes curvei-me
Como a Rainha da Inglaterra
Sujando de terra os meus joelhos
Fazendo reverência ao velho Mercury

No tempo em que se amarrava
Cachorro com linguiça

Quando não havia preguiça
Apenas luta de classes
Um jeito desumano de dominar...
Seus olhos elípticos me fitavam

Eu não merecia
Eu era seu irmão...

Quando não havia luz no poste
Em frente ao portão
Mas apenas estilhaços de sabedoria
E a alegria era seu sósia...

Agora já não há mais beleza em seu semblante...
Você está fria
E eu atrás da porta

Agora o jacaré está sorrindo às crianças
Com pedaços do meu coração entre os dentes

Mas nada mais importa
Já não há luar
Nem estrelas no céu...





Cristina

Ontem
quando liguei a TV
você não estava lá
sentada em seu canto no sofá...
Amanhã
depois do almoço
enquanto aguardava a sobremesa
quase sem querer
segurei em suas mãos...
Pequenas e frias
Pele e osso simplesmente
quase sem receio
Mas novamente você não veio...
E no escuro
eu não podia ver o seu rosto
Apenas sua voz doce e sensual
me seduzia, pedindo um cigarro...
E hoje, Cris (?)
Onde? 
Com quem você está?





Bolor 

Naquela tarde perdida de agosto
Eu fiquei só
Atrás de ti
Em silêncio
Me sentindo um idiota...

Como um ator
Ruminando minha dor...

Poderia ter ido embora
Vazado...
Teria sido melhor para minhas pernas

Mas eu escolhi ficar ali
Quieto, parado
Bem perto do seu rosto
De costas...
Sentindo o cheiro do seu perfume...
De flor

Naquela tarde de setembro
No terminal da rodoviária
Fiquei em silêncio
Como uma capivara
Sentindo o tempo e o vento
Passar entre os nossos corpos

Me sentindo supérfluo, inútil...

(grrr!)