Respiração

CONFISSÕES

Perdoai-me, Senhor

Por eu ter roubado aquelas goiabas

Por eu ter comido aquela galinha

que botava ovos de ouro

Transforme-me então em qualquer coisa

Um rato, uma barata ou mesmo um besouro

Menos o Motoqueiro de Ferro

Isso eu não quero

Jogai fora os meus gibis do Tio Patinhas

Minha coleção de figurinhas. Todas!

Inclusive as carimbadas e a do Rivelino

Pois sei

que agora nada mais valem

Rasgue também, se quiser, minha pipa

ou solte-a ao sabor do vento, se preferir

Amasse os aros da bicicleta vermelha

e diga à dona Leda

que eu a amava tanto

Por isso lhe peço desculpas

Agora que a minha visão ficou turva
E a vida amarelada e discreta

E que eu me tornei um homem sério

Vendo tudo paralisado

através da janela do escritório

Mas já não posso mais brincar.

COISA LOUCA

Menininha velha

Rapazes sem dente

Velhos sorridentes

Borboleta amarela

Grilo Falante

Vagalumes cintilantes...

Mar, praia, cidades e montanhas

Nada se encontra nos livros

Nada está tão distante

Nada está no mercado

Trancado em jaulas

Caminhando por entre as mesas

em algum restaurante

Nada está mais na net

Posso beijar sua boca?

Então, jogue fora o seu chiclete

Coisa louca

CABINE

Brincando de sentir tesão

você queria apenas

sentir-se valorizada

E minhas bolas batiam em seu rabo

como amendoins torrados...

Quanta besteira

Quanta blasfêmia

Eu só queria ser seu macho

E você detonada

Balançando na cabine

esfregando as unhas esmaltadas

contra o painel do Gordine

DROP

Meu humor

agora se transformou

num daqueles ursos mágicos do Play Center

Um monstro cabeludo

de mentira

que a todos faz rir...

Enquanto eu, só consigo chorar

e limpar o nariz

na manga comprida
da minha camiseta lilás

Drop, do Brian Eno, me faz sofrer

But If...

Música japonesa

alegra o meu espírito.

HQ BIRDS

Comprei uma bandeja

de morangos silvestres

no Supermercado Oba

mas não tive coragem de comê-los

“Você foi muito cruel comigo”

Então eu me tranquei na kit

e fiquei relendo o processo

conversando com minhas Aranhas de Marte

presas no vidro

“Música japonesa alegra o meu espírito”

Acordes edipianos

Milhões de flechas negras

perfurando balões

que estavam vazios

Manobrando Corvettes

sobre o tampo de mármore da mesa

Olhando nuvens sem saber

Ouvindo a chuva

Procurando um arco-íris no horizonte

para te dar...

Mas naquela tarde vazia

do céu só caíam flechas...

Milhões de flechas negras

POMPÉIA

Sua estupidez

matou o nosso amor

Seu desamor

matou a minha esperança

Seu ódio sufocou

o embrião da minha alegria

Sua filha da putice

despertou em meu peito

um vulcão

que nem mesmo eu

suspeitava que existisse

PINAKOTECA PINEL

Merda que se desfaz

Na fila da lanchonete

Que se move lentamente

à entrada da Pinakoteca Pinel

Gente escrota colhendo lírios

Querendo entrar 
pela porta estreita do Céu

Gente lesma
desaparecendo com a espuma 

na escuridão fétida do ralo 

Enquanto eu, na verdade, junto aos ratos

nem mesmo sei o que estou fazendo aqui (?!)

URINOL DOURADO

Trago flores mortas

para te dar

Você que está tão viva

em minha barriga

São flores do Sol

colhidas durante um sonho

num quarto azul

onde vacas sagradas pastavam

subindo pelas paredes...